sábado, 4 de maio de 2013

Ruralistas e a existência do trabalho escravo no Brasil: a negação da verdade

 
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A sociedade que emerge não cabe no horizonte ruralista, pois implica em
convivência, em distribuição e democratização de direitos

Por João Marcelo Intini*    

 No lugar que havia mata, hoje há perseguição
 grileiro mata posseiro só prá lhe roubar seu chão.
Castanheiro, seringueiro já viraram até peão afora
os que já morreram como ave-de-arribação. Zé de
Nata tá de prova, naquele lugar tem cova gente
enterrada no chão. (Vital Farias)
 
Há tempos que a música de Vital Farias foi composta. Em 1982, o Brasil clamava pelo fim da ditadura militar, a sociedade efervescia desejando a volta do regime democrático, movimentos se organizavam em todos os locais. Um metalúrgico liderava o movimento sindical, as lutas nas portas das fábricas ganhavam manchetes no mundo todo. Um novo ciclo se abria na história do Brasil. A luta de classes avançava e conquistava novos direitos sociais e trabalhistas.

O modelo de desenvolvimento econômico acentuava a dependência do financiamento externo. Após duas crises do petróleo, na década de 1970, o país estava à beira de um colapso financeiro e precisava urgentemente de recursos para pagar a importação de combustíveis. O Brasil foi salvo por um cheque do Fundo Monetário Internacional. O presidente da República, general Figueiredo, cavalgava ao lado de Ronald Reagan, exibindo os cavalos bem cuidados, às vistas de uma população sufocada pela ausência de tudo.

Passados 30 anos, uma nova geração de brasileiros emerge e se depara com um país de oportunidades, pujante na sua economia, diverso na sua culturalidade, sexta economia mundial, provando um ciclo longevo de vivencia democrática, ainda que continuemos a combater mazelas e diferenças sociais abissais.

Mas essa introdução poderia indicar que viramos a página de um período de exceção, de violência, de truculência, para um ciclo de inovação social, de reorganização do Estado brasileiro, de novos valores culturais e sociais. Um metalúrgico acabara de encerrar um período de oito anos à frente da Presidência da República e pela primeira vez na história uma mulher era conduzida ao posto máximo.

Muitos setores da sociedade brasileira se reinventaram, abriram canais de conexão com o mundo, interagiram na tecnologia, na comunicação, na economia que se “planetarizou” rapidamente. Temos outra sociedade, em relação a 1982. Estamos por erradicar a pobreza extrema, caminhamos a pleno emprego, o salário mínimo contribui para a distribuição de riqueza e da mudança das classes sociais. Não temos mais a “pirâmide social”, que foi substituída por um “losango” de milhões de brasileiros ingressantes na classe média.

Concentração
Mas uma contradição grotesca persiste: a alta concentração de terra no Brasil. Uma das maiores do mundo: 93% das propriedades ocupam apenas 17% da área rural e 1,6 % das propriedades ocupa 52% das áreas. Se o empresariado industrial e urbano se modernizou, os empregadores rurais permanecem sentados ao lado do presidente Figueiredo, clamando pela proteção de suas famílias, propriedades e tradições, absolutamente inspiradas nas oligarquias rurais.

Parece que o tempo não passou para alguns.

As conquistas trabalhistas efetivadas na Constituição de 1988, os tratados internacionais que o Brasil ratificou, as inovações nas leis trabalhistas e o fortalecimento das organizações sindicais dos trabalhadores parecem não ter sido incorporadas na identidade política desse segmento rural. Acontece que, à luz do sistema eleitoral brasileiro, que concentra o poder econômico e político, esses empregadores rurais conservadores garantem sua representação política no Congresso Nacional, através do que comumente denominamos de bancada ruralista.

Estabelece-se a ligação ideológica dos herdeiros das oligarquias rurais com os parlamentares ruralistas, aproximando a dominação política e territorial, histórica e patriarcal, com o plenário da Câmara dos Deputados. Organizados na Frente Parlamentar da Agropecuária, defendem os seus direitos de propriedade e avançam sobre os direitos alheios, principalmente dos indígenas, quilombolas e trabalhadores assalariados, como se nada bastasse para saciar o desejo por riquezas e exploração inescrupulosa dos recursos naturais. É o jogo do vale tudo no rural, orgulhosamente sustentado nos resultados da balança comercial brasileira, ancorado na primariedade dos produtos, na soja transgênica, na exploração do solo brasileiro.

E as mudanças na sociedade brasileira, passam incólumes? O que pensam os ruralistas sobre este novo Brasil?

Estabelece-se a ligação ideológica dos herdeiros das oligarquias rurais com os parlamentares ruralistas, aproximando a dominação política e territorial, histórica e patriarcal, com o plenário da Câmara dos Deputados

O deputado Nelson Marquezelli, do PTB paulista, disse o seguinte durante uma audiência pública na Comissão Parlamentar de Inquérito do Trabalho Escravo1: “É um enfrentamento que nós vamos ter, porque uma pessoa que tem uma cor mais queimada que a outra garante uma vaga na universidade. Já começa por aí, não é mais pela seleção de inteligência, dedicação do cara que passa horas e horas debruçado em cima de um livro. Não, basta ele ter uma corrente de uma pele mais escura. E há até uma disputa: já tem muita gente que queria ser branco, agora tem muita gente que quer ser mais do outro lado para poder receber um dom melhor na sociedade brasileira.” (Audiência pública realizada no dia 16/5/2012, na Câmara dos Deputados)

Casa Grande
Não se trata de miopia social, mas da defesa inconteste dos seus princípios, pela sua percepção da defesa do seu espaço social e territorial. A sociedade que emerge não cabe no horizonte ruralista, pois implica em convivência, em distribuição e democratização de direitos. A Casa Grande persiste, embora agora tenha internet e luz elétrica. Na Casa Grande do período colonial da história do Brasil habitavam o poder econômico e o poder político e lá se organizavam as atividades de caráter público, as atividades de trabalho e até mesmo as religiosas. O senhor do engenho era o senhor absoluto.

As práticas de clientelismo, o favor como instrumento da relação de desigualdade, geradora da dependência entre homens e mulheres livres, porém pobres, consolidou as práticas sociais da época passada2. O florescimento do coronelismo já no período republicano da nossa história amplia a Casa Grande para além da propriedade rural, agora dominando municípios rurais, circunscrevendo o espaço público aos interesses dos coronéis. A incursão do poder privado sobre o domínio político e do espaço público se consolida3.

Ao final do século XIX, favorecidos pela presença precária do poder federal nos municípios do interior, os coronéis eram a única instituição viável de poder e sua ascendência derivava, naturalmente, de sua condição de proprietário rural4. É fato que o coronelismo perdeu parte de sua importância política no final da década de 1970, até porque o Estado interventor agia através das práticas autoritárias, centralizadoras e de manutenção do clientelismo.

Voltando ao ideário ruralista, nos parece confirmada a sensação de que o país e a sociedade não se modificaram ao longo de todas essas décadas. O deputado federal Asdrubal Bentes, do PMDB paraense, parece desejar viver na Antiguidade, à luz da lamparina, em vez de celebrar as melhorias de infraestrutura do país. Em audiência pública na Câmara dos Deputados, disse: “Nasci e me criei às margens do rio Madeira, um rio caudaloso, mas com água extremamente barrenta, e me criei tomando água do rio Madeira. E, para se tomar água, tinha que coar e ficava quatro dedos de barro no coador. Estou vivo”. (Audiência pública realizada no dia 16/5/2012, na Câmara dos Deputados)

Contradição
No século XXI, a sociedade busca se organizar para conquistar políticas públicas emancipatórias, de superação das desigualdades sociais, raciais, étnicas e de gênero. Não cabe a reprodução do clientelismo, do patrimonialismo, do favor como instrumento de manutenção das relações de dominação. Não há espaço para a continuidade da existência das práticas de dominação e de exploração da mão de obra no Brasil contemporâneo. No limite do descumprimento das normas trabalhistas ou do respeito à dignidade humano, não há justificativa para a ocorrência de trabalho escravo no Brasil.

Não cabe a reprodução do clientelismo, do patrimonialismo, do favor como instrumento de manutenção das relações de dominação

Segundo o Ministério do Trabalho e do Emprego, de 1995 a 2012, 44 mil trabalhadores foram resgatados de condições análogas à de trabalho escravo, predominantemente no meio rural e nas propriedades localizadas na Amazônia Legal. Nas atividades de pecuária, carvoaria, silvicultura, canavieira e madeireira, residem a maioria das ocorrências de trabalho escravo nas propriedades rurais. Esta é a contradição para a qual chamamos a atenção: no Brasil rural contemporâneo, a convivência das práticas análogas às de trabalho escravo lado a lado com o que se conhece de mais tecnológico, avançado, moderno.

A Superintendência Regional de Trabalho e Emprego do Tocantins (SRTE/TO) libertou 56 pessoas de condições análogas à escravidão da Fazenda Água Amarela, em Araguatins (TO). A área reflorestada de eucaliptos, que também abrigava 99 fornos de carvão vegetal, estava sendo explorada pela RPC Energética.
De acordo com apurações da fiscalização trabalhista, ainda que registrada em nome de um “laranja”, a empresa pertence a Paulo Alexandre Bernardes da Silva Júnior e André Luiz de Castro Abreu, irmão da senadora Kátia Abreu (PSD-TO), liderança ruralista que também é presidente da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

O trabalho escravo existe, é inegável e se configura como uma aberração nas sociedades modernas. Ao menos um ruralista admite sua existência. O deputado federal Giovanni Queiroz, do PDT paraense, confirma a ocorrência de escravagistas dentre os fazendeiros, conforme afirmou no diálogo com uma das convidadas:

“Eu posso dizer à senhora e afirmar que tem escravagista, sim, no nosso meio. Nós os abominamos e não aliviamos para nenhum deles, mas é muito menos do que na cidade”. (Audiência pública realizada no dia 27/6/2012, na Câmara dos Deputados)

Negação
Por fim, confirmada a prática escravagista em pleno século XXI, a bancada ruralista segue negando sua ocorrência e responsabilizando os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego por exageros e arbitrariedade. É a desconstrução da ideia de dominação social e da exploração da mão de obra, Agora, a responsabilidade é do marco legal trabalhista. Como se o Brasil não tivesse evoluído na sua conduta republicana, estatal e no seu regime democrático. O deputado Valdir Colatto, do PMDB paranaense, deve crer que o fiscal do trabalho está dotado de poder supremo, pois acredita que “com certeza a ditadura da fiscalização está inviabilizando o Brasil”. (Audiência pública realizada no dia 27/6/2012, na Câmara dos Deputados)

Afora a notável capacidade de reinventar os argumentos para negar a existência do trabalho escravo, os deputados que compõem a bancada ruralista conseguiram, na CPI do Trabalho Escravo, inviabilizar os procedimentos de investigação das cadeias produtivas que empregam trabalhadores em condições análogas às de escravo. Eles distorcem os fatos e insistem na tese da inadequação das leis trabalhistas, além de desprezarem a necessidade de os trabalhadores disporem de condições de alojamento adequadas e outras condições dignas para exercerem o trabalho.

De modo geral, os trabalhadores brasileiros conquistaram direitos no que concerne à proteção no trabalho, à qualidade dos alojamentos e refeitórios, vestuários, jornada de trabalho, transporte e direitos. Tudo isso é festejado pelo conjunto das organizações sindicais de trabalhadores. Mas os ruralistas avaliam essas condições como exageradas e desnecessárias.

O deputado Homero Pereira, do PSD mato-grossense, líder da Frente Parlamentar da Agropecuária, expressa sua opinião sobre esse aspecto, provavelmente desejando que os trabalhadores e os animais não sejam distinguidos na sua existência: “O cidadão não pode mais almoçar, pegar o seu prato e comer debaixo de uma mangueira, porque se chegar lá um fiscal…Ele pode até estar com o dono da propriedade; chegou o fiscal lá e já vai dizer que aquilo é trabalho escravo, porque ele tem que ter um refeitório com azulejo, com ar-condicionado. Isso é um absurdo”. (Audiência pública realizada no dia 28/3/2012, na Câmara dos Deputados)

Confirmada a prática escravagista em pleno século XXI, a bancada ruralista segue negando sua ocorrência e responsabilizando os fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego por exageros e arbitrariedade
O discurso da modernidade, da pujança do agronegócio que emerge rompendo as fronteiras agrícolas não se articula com o fato de haver empregadores escravagistas, que negam a existência da exploração do trabalhador e da privação de seus direitos.

Encerrando este breve ensaio sobre a conduta dos ruralistas e sua representação na Câmara dos Deputados, apenas confirmamos a roupagem atual da Casa Grande, travestida na modernidade, na tecnologia e no comportamento difuso da democracia representativa. A CPI do Trabalho Escravo prestou o serviço público de evidenciar e notabilizar o conservadorismo ideológico dos ruralistas, a truculência na lida com os trabalhadores, o preconceito enraizado desde os senhores de engenho, mutantes históricos, que se apresentam como líderes de uma classe dominante retrógrada.

Apesar de a disputa ideológica travada no sistema capitalista não ser exatamente uma novidade, chama a atenção a negação da verdade, ainda mais por representantes da população que deveriam honrar seus mandatos públicos e se somar aos esforços de combate às desigualdades existentes no Brasil.

* Assessor-técnico da liderança do PT na Câmara dos Deputados

Foto: MTE

http://www.brasildefato.com.br/node/12808

Estudo critica modelo de auditoria social privado

Sindicato internacional publica relatório que aponta falhas nos certificados de “responsabilidade social” de empresas em todo o mundo

Por Guilherme Zocchio |              
Relatório publicado no último dia 23, nos Estados Unidos, levanta falhas nos sistemas de fiscalização e auditoria trabalhista, instituídos pela iniciativa empresarial sob a bandeira de “responsabilidade social” na cadeia produtiva de corporações transnacionais. Organizado por uma das mais importantes centrais sindicais dos EUA, a Federação Americana do Trabalho-Congresso das Organizações Industriais (AFL-CIO, sigla em inglês), o estudo “Responsibility outsourced: social Audits, Workplace certification and twenty years of Failure to protect Worker Rights” acusa as certificações de qualidade e garantias laborais por “falhas”, com base em episódios de acidentes e péssimas condições constatadas em fábricas na Indonésia, Paquistão, China e também na América Latina.
Segundo o relatório, duas das principais empresas responsáveis pelos processos de auditoria e de certificação social no mundo, a Social Accountability International (SAI) e a Fair Labour Association (FLA), passam por “avassaladora influência de empresas e governos”, já que recebem dinheiro ou foram criadas pela iniciativa desses dois setores. Conforme o estudo, o lobby governista e empresarial seria responsável, desse modo, por prejudicar e marginalizar os trabalhadores inseridos nos pontos mais extremos da cadeia de produção que, em tese, deveriam se beneficiar dos processos de fiscalização no interior de fábricas e oficinas. “O modelo de auditoria social dominante nunca vai conseguir empregos decentes e seguros para os milhões de trabalhadores alocados na ponta da economia mundial”, coloca o documento.
estudo-AFL_CIO
Planta de oficina têxtil no Paquistão (Foto: Reprodução)
Ao aferir a sequência de incidentes em fábricas e oficinas por todo o mundo na cadeia produtiva de corporações que carregam ou carregavam o certificado de “responsabilidade social”, o documento é enfático em afirmar que esses modelos não poderiam ser utilizados para cumprir até mesmo “o mais básico dos objetivos”. A garantia da integridade física, das condições de saúde e da dignidade no ambiente e nas atividades laborais, em vez de ser garantida, jamais parece ser alcançada por via da concessão dos títulos de responsabilidade, defende o relatório. De acordo com o documento as certificações sequer serviriam para “deter mortes totalmente evitáveis causadas por negligência dos proprietários da fábrica ou recusa absoluta de observar o mais básico dos requisitos de segurança”.
Entre os casos citados, o estudo menciona um incêndio ocorrido em uma planta industrial paquistanesa, em setembro de 2012, causado por problemas no interior do ambiente de trabalho. Foram pelo menos 262 mortos, em uma unidade industrial que havia recebido recentemente o selo SA8000, concedido pela SAI, que indicaria boas condições de trabalho nas linhas de produção das companhias certificadas. Na ocasião das investigações sobre as causas da tragédia, os sobreviventes relataram que barras nas janelas impediam a evacuação do local e que as saídas de emergência estavam bloqueadas.
Condição necessária
Um dos capítulos do relatório aponta especificamente para o fato de que muitos dos processos de “certificação social” pouco ou nada levam em conta o posicionamento dos empregados das unidades inspecionadas, ou ainda não consultam as recomendações das entidades de classe que representam o corpo de trabalhadores, como sindicatos, uniões, centrais sindicais ou associações. Para os formuladores do estudo, a participação de representantes laborais é “condição necessária” para monitorar e defender efetivamente o respeito aos direitos trabalhistas. Há uma ressalva, por outro lado, de que isso não seria o suficiente para o sucesso dessas iniciativas.
Mulheres trabalham na confecção de peças
Mulher trabalha na confecção de roupas
O documento aponta que a promoção de políticas públicas, assim como a fiscalização e orientação sobre os ambientes de trabalho, devem ser aprimoradas com rigor. Além disso, o estudo atribui a a implementação desse sistema de garantias à organização de trabalhadores na luta para tornar seus espaços de atividade mais seguros. Esse processo teria durado até o começo dos anos 1980, quando as cadeias produtivas começaram a se espalhar no decorrer da intensificação do movimento de globalização. “Não era perfeito, mas houve progresso. Desde então, a situação piorou”, afirma o estudo. Coincidentemente, nesse mesmo momento começaram a surgir os primeiros rascunhos dos sistemas de auditoria privada.
 
Repórter Brasil
 
 

Gigante da avicultura é processada por escravizar 29 trabalhadores

Mauricéa, uma das maiores empresas do setor no Nordeste, foi flagrada pela terceira vez. Empresa nega responsabilidade e diz que culpa é de parceiro
 
O Ministério Público do Trabalho (MPT) entrou, na última terça-feira, 30, com uma ação civil pública contra a Mauricéa Alimentos por manter 29 pessoas em situação análoga à de escravo. Elas foram libertadas em 12 de abril e se encontravam em condições degradantes de trabalho, além de serem obrigadas a cumprir jornadas de mais de 14 horas por dia. Na ocasião, a diretora administrativa da empresa, Mércia Maria Moraes de Farias, foi presa, mas teve liberdade provisória concedida depois de pagar fiança. As vítimas trabalhavam com a apanha de frangos, que consiste em pegar as aves e colocá-las em caixas para transporte.
Em nota à imprensa, a Mauricéa,  afirmou que “repudia veementemente qualquer forma de trabalho que possa ser equiparado à condição análoga a escravo” e alegou que a fazenda é de “propriedade de um Integrado da Empresa, parceiro na criação de frangos, que também fornece aves para outros frigoríficos”. No entanto, segundo Maurício Brito, procurador do trabalho que acompanhou a operação, a granja está em nome de Marcondes Antonio de Tavares de Farias, sócio-proprietário da Mauricéa. Além disso, segundo ele, “a Mauricéa só vende alguns frangos pra outros frigoríficos”. O diretor comercial da Mauricéa, Marcondes Filho, não reconhece a responsabilidade pelas vítimas: “Qual é o objetivo de uma empresa que tem 2600 funcionários ter 29 em regime de trabalho escravo?”, indaga. Em seu site, a Mauricéa diz ser “a maior indústria de carne de frango da Região Nordeste”.
Caminhão da avícola Mauricéia carregado de frangos
Caminhão da Mauricéa carregado de frangos para o abate (Fotos: MTE)
 
Antes de abrir a ação judicial, o MPT manteve diversas reuniões com a empresa para tentar a assinatura de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) que garantisse o pagamento imediato das verbas rescisórias aos trabalhadores. A instituição alega que a avícola tem responsabilidade solidária por sua cadeia produtiva e que isso se agrava pelo relato dos trabalhadores de que recebiam ordens diretamente de funcionários da Mauricéa e não da Madonna, uma empresa terceirizada que contratou os empregados. Até a publicação desta matéria, os trabalhadores continuavam sem receber os valores referentes à rescisão de contratos e permaneciam na cidade sem qualquer assistência ou meio de subsistência.
A ação movida pelo MPT pede o pagamento imediato das rescisões contratuais, que, somadas, chegam a R$979 mil. Além disso, o MPT também pede o pagamento de R$1,9 milhões em indenização por danos morais individuais aos trabalhadores e outros R$15 milhões por danos morais coletivos, a serem revertidos ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Essa é a terceira vez que a empresa responde uma ação civil pública por trabalho escravo. Na última, em 2010, a Mauricéa assinou um acordo comprometendo-se a não repetir as práticas sob pena de multa.
Na esfera criminal, o procurador da república José Ricardo Teixeira Alves declarou que o Ministério Público Federal (MPF) deve processar os diretores da empresa por infração ao artigo 149 do Código Penal, que tipifica as situações em que ocorre trabalho escravo. As penas podem chegar a oito anos de reclusão, além de multa.
Pertences de trabalhadores junto a animal morto em avícola da Mauricéia em Barreiras (BA)
Pertences dos trabalhadores eram deixados no aviário, próximo a animais mortos e com alto risco de contaminação
O caso
Os trabalhadores foram contratados em abril de 2012 em Brasília pela “Prestadora de Serviços Madonna” com garantia de alojamento e alimentação por conta da empresa. No entanto, em dezembro do mesmo ano isso deixou de ser garantido pela terceirizada e, desde então, os empregados tiveram que alugar casas na cidade por conta própria e levar comida de casa. De acordo com relatos colhidos pelos auditores fiscais do trabalho, camas foram oferecidas aos trabalhadores, mas a empresa queria cobrar por elas. Nem todos tinham registro em carteira e os que tinham recebiam parte do pagamento por fora para uma jornada exaustiva de mais de 14 horas por dia.
Além disso, os funcionários eram obrigados a trabalhar mesmo sob chuva e com um equipamento de proteção individual (EPI) insuficiente. Eles também tinham que deixar a alimentação e seus uniformes no aviário, aumentando riscos de contaminação pela falta de condições de higiene. A equipe de auditores fiscais do trabalho também encontrou diversos trabalhadores com lesões na pele, que foram ocasionadas pelo contato impróprio com Primmax Sanquat, um produto químico usado para desinfetar o aviário, e que não teriam acontecido se eles tivessem acesso a equipamentos de proteção adequados.
 
Repórter Brasil