"Caminhamos para um mundo sustentável, mas muito mais devagar do que gostaríamos". Essa análise da engenheira argentina, Laura Maffei, ilustra tanto a questão dos riscos químicos presentes no mundo do trabalho quanto outros desafios ambientais, como a mudança climática. Em um modelo de desenvolvimento que prioriza o crescimento e o lucro, nem sempre a saúde e o meio ambiente ganham as discussões internacionais. Coordenadora para a América Latina da Sustainlabour - Fundação Internacional do Trabalho para o Desenvolvimento Sustentável, ela tem atuado no Brasil, no Chile e no Uruguai para a implementação do SAICM (Enfoque Estratégico para a Gestão Internacional das Substâncias Químicas) por trabalhadores. O objetivo é ter políticas para gestão dos produtos químicos, observando todo o ciclo de vida das substâncias. Isso significa a segurança química vivenciada nos ambientes de trabalho, respeitando-se princípios da prevenção, da precaução e da substituição. Nessa entrevista, a especialista fala sobre a situação dos três países da América do Sul que vem acompanhando, o papel de sindicatos, governos e empresas, além de abordar questões como nanotecnologia e química verde.
PROTEÇÃO - Como está a implementação do SAICM na América Latina?
LAURA - Não conheço a situação na América Latina como um todo, mas estamos trabalhando em um projeto para a implementação do SAICM com os trabalhadores no Brasil, Uruguai e Chile. São ações de formação. Tivemos um seminário internacional em julho desse ano na cidade de São Paulo, que deu continuidade à Conferência Tripartite sobre a Gestão Segura e Saudável dos Produtos Químicos, que ocorreu na Fundacentro em abril de 2009. Na reunião de 2010, os pontos focais do SAICM demonstraram o que está sendo feito nos três países. Percebemos que estão avançando, se compararmos com o que foi apresentado no ano passado, especialmente na classificação e rotulagem de produtos químicos e também na implementação dos planos de substituição e eliminação do mercúrio. Cada país tem prazos estabelecidos. Temos trabalhado integrando sindicatos, departamentos ambientais e responsáveis pela política nacional de segurança química.
PROTEÇÃO - Esse trabalho junto aos sindicatos é realizado de que forma?
LAURA - Na Sustainlabour, temos um projeto para facilitar a implementação do SAICM pelos trabalhadores no local de trabalho, que começou em outubro de 2008. Trabalhamos com centrais sindicais do Brasil, Uruguai e Chile. A proposta foi feita junto com o ICEM (Federação Internacional dos Sindicatos da Química, Energia, Minas e Indústrias Diversas), a Confederação Sindical Internacional e a Confederação Sindical das Américas. Realizamos ações como a Conferência Internacional Tripartite no ano passado na Fundacentro, que é uma grande parceira no projeto. Depois tivemos atividade de formação e produção de materiais, que os próprios sindicatos fizeram para trabalhar na educação de formadores. Foram vários seminários, oficinas e materiais com resultados ótimos. Também se estabeleceram grupos de trabalhos nos três países, em que participam setores vinculados à área química, academia, ONGs, governo. A avaliação do projeto com representantes dos trabalhadores e do governo do Uruguai, do Chile e do Brasil foi muito boa, com o fortalecimento do diálogo entre as distintas áreas. Houve uma integração das comissões nacionais de segurança química e muito movimento das organizações sindicais e dos próprios governos, que tiveram a possibilidade de ampliar as atividades.
PROTEÇÃO - Qual o papel do Brasil nesse processo?
LAURA - Temos a parceria fundamental da Fundacentro e a coordenação do ICEM e da CNQ (Confederação Nacional do Ramo Químico) da CUT. Em 2009, aprofundamos a questão da segurança química e trocamos experiências. Já em julho deste ano nos reunimos novamente em uma reunião bipartite, voltada para a avaliação dos sindicatos e do governo. Além disso, realizamos atividades de formação com o apoio da CNQ e da Fundacentro. Como o sindicalismo brasileiro tem desenvolvido muitas ferramentas de formação na área de químicos, temos usado as contribuições dos companheiros brasileiros na elaboração de materiais para outros países. Houve um processo de intercâmbio de experiências, não só do Brasil para os outros, mas também dos outros para o Brasil.
PROTEÇÃO - De que forma o SAICM contribui para que a gestão segura realmente aconteça?
LAURA - Temos trabalhado na América nesses três países do Cone Sul, mas também na África, na Ásia e no Leste Europeu. São áreas muito vulneráveis para a contaminação dos químicos. A gestão segura deve ser trabalhada com as perspectivas da precaução e da substituição, além de incorporar os olhares da química verde, com enfoque no ciclo de vida. São questões que estão nos objetivos do SAICM, que reúne os elementos necessários para que se possa ter uma estratégia. Existem convenções e instrumentos de gestão internacionais como a de rotulagem das embalagens dos produtos. O SAICM junta esses instrumentos e tenta dar uma coerência a todos eles e a políticas que às vezes parecem meio isoladas. O foco é na meta 2020, de Johanesburgo, que prevê a gestão segura e saudável dos produtos químicos em todo o mundo. O SAICM dá um patamar aos diferentes países, sobre como formar a cadeia do sistema global harmonizado. O principal aporte é focar nessa meta procurando um patamar a partir do qual os países detenham a política nacional de sgurança química.
Fonte: Revista Proteção
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