O crescente número de reclamações trabalhistas ajuizadas perante a Justiça do Trabalho mineira, versando sobre responsabilidade civil por acidentes de trabalho, representa apenas uma pequena amostra da realidade vivenciada pelo trabalhador brasileiro, marcada por doenças, mutilações e mortes, em virtude das condições de trabalho inadequadas. No Brasil, as estatísticas oficiais revelam apenas a situação alarmante dos trabalhadores do setor formal da economia e, portanto, estão bem distantes da realidade, já que o número de trabalhadores que integram o mercado formal (com carteira assinada) representa menos da metade da população economicamente ativa.
Manifestando sua preocupação com a questão do trabalho informal, o juiz Valmir Inácio Vieira, titular da Vara do Trabalho de Bom Despacho, adota a tese segundo a qual a saúde e segurança no trabalho são direitos básicos do trabalhador que devem ser protegidos e respeitados, independente da existência ou não de vínculo empregatício entre as partes. Foi com base nesse entendimento que o magistrado decidiu acerca da responsabilidade civil decorrente de acidente de trabalho sofrido por um trabalhador informal.
Pelo que foi apurado no processo, o reclamante, que trabalhava como tratorista, sem anotação da carteira de trabalho, foi contratado pelo proprietário do trator para prestar serviços na propriedade de um fazendeiro. O reclamante foi vítima de acidente do trabalho, quando arava terras na fazenda e foi chamado para apagar um incêndio no pasto. Durante a lida contra as chamas, escapou a mangueira de óleo diesel do motor e o fogo, que já estava próximo, acabou atingindo o trator. Como o fogo se espalhou muito rapidamente, o tratorista não teve para onde correr e, por isso, sofreu queimaduras nos braços, tórax, face e olho esquerdo, tendo sido levado ao hospital pelo próprio reclamado.
O tratorista relatou que passou por violenta depressão após o acidente, tendo sofrido muitos prejuízos, tanto morais quanto financeiros. Ficou comprovado que houve dano à saúde do reclamante, que teve redução parcial e temporária da sua capacidade para o trabalho. Em sua defesa, o reclamado alegou culpa exclusiva da vítima, frisando que o reclamante, mesmo sabendo dos riscos, conduziu o trator para local em que existia a possibilidade de propagação do incêndio, ao invés de se colocar em local seguro, com a máquina. Acrescentou, ainda, que não existiu relação de emprego entre as partes.
A partir da análise da legislação pertinente, o juiz concluiu que são aplicáveis ao caso os artigos 6º e 196 da Constituição. De acordo com esses dispositivos constitucionais, a saúde é um direito de todos, incluindo os trabalhadores informais. Salientou o magistrado que o direito à saúde descrito no Texto Constitucional abrange vários outros direitos, dentre os quais, o direito ao trabalho e à saúde no trabalho. Nesse sentido, a palavra saúde deve ser analisada sob um ponto de vista mais amplo, representando a promoção do bem-estar físico, mental e social dos trabalhadores, a prevenção dos danos provocados à saúde devido a condições de trabalho inadequadas e a adaptação do trabalho às aptidões fisiológicas e psicológicas do ser humano.
O juiz destacou, ainda, o conteúdo da Convenção 161, da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, a qual trata dos serviços de saúde do trabalho. No texto dessa norma há expressa inclusão dos trabalhadores informais. O magistrado considera essa Convenção Internacional muito importante, uma vez que ela objetiva resguardar o "mínimo existencial" dos trabalhadores, incluindo os informais, em relação à saúde e à segurança no trabalho, tornando obrigatória a adoção de medidas preventivas de agravos à saúde relacionados ao trabalho, dentre os quais os acidentes do trabalho.
No entender do juiz, o direito ao meio ambiente de trabalho saudável deve ser visto como um direito fundamental, ainda que ele não esteja relacionado expressamente no artigo 5º da Constituição, que versa sobre os direitos e garantias fundamentais. Isso porque, por seu conteúdo, ele está intimamente ligado ao direito à vida. Conforme acentuou o magistrado, o indivíduo, em sua atividade de trabalho, tem o direito de não ser submetido a riscos, pouco importando se a atividade é executada no mercado formal ou informal.
Assim, o juiz concluiu que o réu teve culpa leve por não ter identificado e avaliado os riscos para a saúde, presentes nos locais de trabalho, além de não ter informado o reclamante dos riscos para a saúde inerentes a seu trabalho, dentre os quais o de enfrentar a situação de combate ao fogo no momento imediatamente anterior à atividade de espalhar calcário em propriedade rural. Por esses fundamentos, condenou o reclamado a pagar indenização por danos morais, no valor de R$5.000,00, além de uma indenização por danos físicos decorrente de acidente do trabalho, que consiste em pensão mensal no valor de R$ 120,00, até que seja comprovado em juízo que as áreas escurecidas do braço do reclamante tenham voltado ao normal.
Fonte: TRT
Nenhum comentário:
Postar um comentário