por Fernanda Marque
Devido à deficiência na inspeção e vigilância dos ambientes de trabalho, os operários da construção civil formam um grupo já tradicionalmente exposto a acidentes, muitas vezes, fatais. Em vez de apenas identificar o número de trabalhadores que se acidentam nos canteiros de obra, Raimunda Mangas, em sua pesquisa de mestrado na Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), uma unidade da Fiocruz, optou por uma abordagem diferenciada. A pesquisadora analisou as trajetórias de vida e trabalho de operários que sofreram acidentes fatais na construção civil do município do Rio de Janeiro, assim como as seqüelas desses acidentes para as famílias das vítimas. Raimunda constatou que os trabalhadores, pela necessidade de emprego, se submetiam a condições precárias de trabalho, muitas vezes, sem um contrato formal com a empresa. Quanto aos parentes, muitos permanecem com dúvidas sobre as verdadeiras causas do acidente e, além da dor da perda, enfrentam graves dificuldades financeiras.
Sob a orientação de Carlos Minayo Gomez, do Centro de Estudos da Saúde do Trabalhador e Ecologia Humana (Cesteh) da Ensp, Raimunda buscou evidências de acidentes com morte em canteiros de obra. Por meio das Comunicações de Acidente de Trabalho (CATs), documentos que devem ser emitidos pela empresa, a pesquisadora identificou 25 casos de acidentes fatais entre 1997 e 2001.
No entanto, procurando em outras fontes, como registros de ocorrência policial, notícias publicadas na imprensa, relatórios sindicais, certidões de óbito, boletins de emergência de hospitais públicos e relatos de colegas de trabalho, Raimunda encontrou evidências de outras 49 mortes. "Não se pode basear a análise apenas nas CATs, já que elas só são emitidas para trabalhadores formais e há um universo enorme de vínculos informais na construção civil. Além disso, mesmo que o funcionário tenha a carteira assinada, não é raro a empresa se esquivar de comunicar a ocorrência do acidente", diz Minayo, que há cerca de cinco anos está à frente de uma linha de pesquisas sobre a precarização do trabalho na construção civil.
Nesse processo de precarização, a crescente terceirização do setor parece desempenhar um papel central. "Vêm se intensificando a prática da subcontratação e a tendência das empresas em reduzir o número de trabalhadores 'centrais', empregando, cada vez mais, como estratégia de redução de custos, uma força de trabalho facilmente dispensável em condições que intensificam sua vulnerabilidade. A terceirização do setor se estabelece por meio de uma extensa rede de serviços contratados, repassados das empresas principais para empreiteiras e destas para organizações freqüentemente irregulares", afirma Raimunda em sua dissertação de mestrado.
Raimunda acompanhou representantes do sindicato nas inspeções aos canteiros de obra onde ocorreram os acidentes. O grupo verificou que, em diversas ocasiões, a área do acidente não foi devidamente isolada e, por causa da descaracterização da cena, as investigações ficaram prejudicadas. A pesquisadora entrou em contato com os familiares das vítimas. Conseguiu 19 depoimentos de parentes. Os entrevistados demonstraram sofrimento e revolta. Muitos desconhecem seus direitos ou têm dificuldade para receber benefícios e indenizações. Além disso, a ausência do pai, muitas vezes, exige que os filhos abandonem os estudos e comecem a trabalhar para ajudar no sustento da família. Algumas mães, em meio às adversidades, temem que os filhos se envolvam com atividades ilegais.
Ainda hoje mais da metade dos trabalhadores empregados na construção civil provém da região Nordeste. A imensa maioria deles tem pouca escolaridade e recebe de dois a quatro salários mínimos. De acordo com o levantamento feito por Raimunda, mais de um quarto das vítimas de acidentes fatais era jovem, com idades entre 20 e 29 anos. As quedas foram as principais causas de morte. "O que se observa hoje é que os acidentes têm sido considerados fatalidade intrínseca ao trabalho nos canteiros de obra. O adoecer e o morrer se inserem no cotidiano dos trabalhadores como algo natural. Isso é um absurdo, até porque muitos acidentes poderiam ser evitados se medidas simples de segurança fossem adotadas", conclui Minayo.
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