Trabalhadores indígenas contratados para atividades braçais na lavoura de cana-de-açúcar - por períodos de 60 dias, com curtos intervalos entre si - obtiveram o reconhecimento de vínculo de emprego com a Usina Santa Olinda S.A. - Açúcar e Álcool, que alegava ser a contratação uma locação de serviços por prazo determinado. Para a Justiça do Trabalho, houve unicidade contratual e relação de emprego pelo período de sete anos, com subordinação e habitualidade. Condenada a pagar direitos trabalhistas aos índios, a empresa interpôs, ao Tribunal Superior do Trabalho, recurso ordinário em ação rescisória, com o objetivo de anular a sentença, mas seu apelo foi rejeitado pela Seção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2).
De acordo com o relator do recurso, ministro Emmanoel Pereira, o Estatuto do Índio (Lei 6.001/73), que tem por objetivo preservar a cultura do indivíduo indígena, em seu artigo 14 estabelece que “não haverá discriminação entre trabalhadores indígenas e os demais trabalhadores, aplicando-se-lhes todos os direitos e garantias das leis trabalhistas e de previdência social”. Assim, esclarece o relator, se caracterizados os elementos típicos do vínculo de emprego, são devidos “ao trabalhador indígena todos os direitos e garantias previstos para o trabalhador comum, coibindo-se as fraudes que maculam as relações de trabalho”.
No caso em questão, os indígenas eram contratados em equipes para atividades braçais nas lavouras de cana-de-açúcar, pelo prazo de 60 dias, retornando para sua aldeia ao final de cada período e lá permanecendo por cerca de 10 dias, findos os quais eram recontratados para a prestação dos serviços. Isso, segundo os trabalhadores, ocorreu entre 1º/05/92 e 30/04/99, quando foram dispensados, o que provocou a reclamação trabalhista contra a usina.
Como, em audiência, o preposto da Usina Santa Olinda não soube informar as datas do início e fim das atividades dos indígenas, a Vara do Trabalho de Aquidauana, em Mato Grosso do Sul, aplicou a pena de confissão à empresa, valendo as informações fornecidas pelos trabalhadores quanto às datas. Considerando haver unicidade contratual pelo período de sete anos, habitualidade e subordinação na prestação de serviços, a Vara reconheceu o vínculo de emprego dos indígenas com a usina e condenou a empregadora a anotar suas carteiras de trabalho, pagando-lhes aviso-prévio, décimos terceiros salários, férias, horas extras, adicional de insalubridade e FGTS acrescido de 40%, pois foram dispensados sem justa causa.
Quando não mais sujeita a recurso a sentença - transitada em julgado -, a empresa ajuizou ação rescisória ao Tribunal Regional do Trabalho da 24ª Região (MS), pretendendo cancelar a decisão que a condenara. A ação foi julgada improcedente pelo Regional. Após essa decisão, a empresa apelou ao TST, por meio de recurso ordinário em ação rescisória, defendendo a inexistência de unicidade contratual e a impossibilidade de reconhecimento de vínculo de emprego com os indígenas.
A argumentação da Usina Santa Olinda é de que assinou, com a assistência da Funai, contrato de locação de serviços com índios em vias de integração, por prazo determinado, na modalidade de contrato de equipe, com duração de 60 dias, período após o qual poderiam retornar às aldeias, mantendo assim sua tradição e o vínculo com suas tribos. Segundo a empresa, o contrato foi firmado seguindo as normas de proteção estabelecidas pelo Estatuto do Índio, para preservar as peculiaridades do indígena. Invocou, ainda, o Pacto Comunitário dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho Indígena, de 1999, pelo qual, alega a empregadora, esse tipo de contratação não caracterizava continuidade de vínculo de emprego, pois seu objetivo era a manutenção da vida social, dos costumes e das tradições do trabalhador indígena.
Ao examinar o recurso ordinário, o ministro Emmanoel verificou que não se trata de contrato por prazo determinado, pois, quando não observado o tempo mínimo de seis meses entre um contrato e outro, conforme artigo 452 da CLT, “o contrato assume as vestes de indeterminado”. Também não há contrato de equipe, destacou o relator, porque essa modalidade só se justifica quando a atividade, por suas peculiaridades, é realizada por um grupo determinado de trabalhadores, o que não é o caso, pois o trabalho na lavoura de cana-de-açúcar “não demanda coesão de grupo, podendo ser contratados diversos trabalhadores para o mesmo fim individualmente”.
Além disso, não se pode falar em contrato de locação de serviços, entendeu o ministro, pois está caracterizada a relação de emprego. “Conclusão em sentido contrário implicaria o reexame de fatos e provas, o que não se admite em sede de ação rescisória com fundamento no inciso V do artigo 485 do CPC, conforme a Súmula 410 do TST”, fundamenta. O relator destacou, ainda, que a existência do Pacto Comunitário dos Direitos Sociais nas Relações de Trabalho Indígena é inaplicável ao caso, pois o pacto foi assinado em 08/07/1999, após, portanto, a extinção dos contratos de trabalho dos indígenas (30/04/1999).
Após o pronunciamento do ministro Emmanoel, a SDI-2 acompanhou o voto do relator e, por unanimidade, negou provimento ao recurso ordinário em ação rescisória. (ROAR - 4900-62.2005.5.24.0000)
(Lourdes Tavares)
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Superior do Trabalho
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