Publicada em 19/09/2010 pelo O Globo. Autor: Gustavo Paul
Legislação trabalhista já tem 2.496 normas, prejudicando competitividade do Brasil
Ao longo dos seus 67 anos de vigência, a atual legislação trabalhista brasileira tornouse um cipoal de 2.496 dispositivos, que regem a vida de todos os trabalhadores do país. Incluem-se nesse emaranhado 67 artigos da Constituição e 922 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), além de 746 normas e súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de acordo com um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Essa profusão de regras no âmbito legal é apontada como uma das principais razões que jogam ainda mais para baixo a competitividade brasileira, segundo levantamento recente do Fórum Econômico Mundial (FEM).
A pesquisa, feita a partir de entrevistas realizadas em todo o mundo, mostra que, só em relação à eficiência do mercado de trabalho, o Brasil caiu da 80aposição, em 2009, para a 96a em 2010, entre 139 países. Este foi o indicador que mais variou negativamente na análise sobre o país - cuja média geral o coloca na 58aposição.
Nos últimos oito anos, porém, o assunto saiu da agenda do governo federal e está passando ao largo das discussões dos candidatos à Presidência.
Segundo analistas ouvidos pelo GLOBO, se a questão não for atacada nos próximos anos, o país continuará perdendo competitividade no mercado internacional, se manterá como um grande exportador de commodities - produtos sem valor agregado e que geram menos emprego e renda - e verá o mercado informal continuar se expandindo.
País chega a ficar em 131º lugar entre 139
De acordo com as entrevistas do levantamento do FEM, a regulação trabalhista restritiva aparece na quarta posição entre os 15 principais gargalos para se fazer negócio no Brasil.
Está atrás apenas da legislação tributária, das taxas de juros e dos problemas de infraestrutura. Mas fica à frente da burocracia governamental e da corrupção. Neste ranking, as posições ocupadas pelo país são constrangedoras: está no 131º lugar no que se refere às praticas de contratação e demissão e em 114º lugar na rigidez de empregabilidade.
Esses problemas também foram detectados pelo levantamento Doing Business (Fazendo Negócios) 2010, do Banco Mundial. Segundo ele, o país passou da 67ª posição no índice de dificuldade de contratação, em 2006, para 78ª posição em 2007, estágio que mantém até 2010.
O empresariado está preocupado com o tema. A CNI apresentou um documento aos candidatos a presidente, alertando para o problema do custo do trabalho no país e para a selva de normas. A CLT, por exemplo, com quase mil artigos já é bem específica, versando sobre desde faltas de trabalhadores até o que pode ser considerado salário.
Já as mais de 700 súmulas e normas do TST também são detalhistas. Uma delas deixa claro, por exemplo, que "o cigarro não se considera salário". Tudo isso leva a divergências de entendimentos e interpretações entre patrões e empregados, o que estimula a judicialização das relações trabalhistas.
O documento da CNI lembra que, depois dos encargos trabalhistas, incidem sobre a folha benefícios oriundos de negociações coletivas e da política da empresa, além de obrigações como cotas para aprendizes e portadores de deficiência. Em média, todos os custos representam 102% do salário de um trabalhador.
"É fundamental que se inicie um processo estruturado e planejado de desoneração dos vários custos compulsórios que incidem sobre o trabalho, a fim de não inibir a geração de empregos formais", afirma o documento da CNI.
A última tentativa de uma reforma trabalhista, para flexibilizar o custo de contratação e demissão e tentar diminuir o mercado informal, ocorreu - sem sucesso - no governo de Fernando Henrique Cardoso. Em época eleitoral, o tema é considerado um tabu. Em agosto, a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, foi categórica: - Não tenho nenhum compromisso com a reforma trabalhista. Não penso em reforma trabalhista como algo urgente para o país - disse em um evento em Florianópolis.
A reforma também não faz parte do discurso de seus principais adversários.
O programa de governo do tucano José Serra, que ainda deve ser anunciado, não trata do tema. Também em agosto, no Congresso Nacional de Gestão de Pessoas, Serra e a candidata do PV, Marina Silva, se esquivaram ao falar de relações de trabalho.
Serra disse ter a intenção de "estimular a negociação entre sindicato e empresas" e garantiu que não iria tocar nos direitos assegurados na CLT. Marina disse que seu objetivo é incentivar "mesas negociadoras" entre sindicatos patronais e de empregados.
Candidatos evitam debater o tema
Espinhoso e polêmico, o tema sumiu e foi encoberto pelos recordes de criação de novas vagas com carteira assinada - só em 2010 já são 1,95 milhão de novos postos - na esteira do crescimento econômico. Mas os analistas emitem alertas.
- Vivemos uma bonança que anestesia essa discussão. Mais cedo ou mais tarde vamos ter de voltar a discutir os encargos sobre a folha de trabalho e a questão sindical - diz André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).
José Pastore, especialista em trabalho, adverte que o país se beneficia da economia fechada, mas corre risco, caso se abra mais. O comércio com o exterior, contando as exportações e as importações, restringe-se a 20% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país). Mas os demais emergentes são muito mais expostos e situam-se acima de 50%. No Chile, o indicador é de 76%. Na Malásia, de 80%.
- Abrir as portas para produtores de Ásia e Leste Europeu afetaria severamente o emprego interno. A pequena brecha atual já está afetando.
São inúmeros os casos de empresas que compram máquinas e equipamentos importados da China e da Coreia do Sul, o que inibe a produção e o emprego internos - diz Pastore.
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